Movimentos sociais das mulheres rurais
A importância da participação social de mulheres trabalhadoras rurais na construção de Políticas Públicas no Brasil
PEREIRA, Marie-Anne Stival; LOZANO, Leal. A importância da participação social de mulheres trabalhadoras rurais na construção de Políticas Públicas no Brasil. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/artigos/a-importancia-da-participacao-social-de-mulheres-trabalhadoras-rurais-na-construcao-de-politicas-publicas-no-brasil.
As múltiplas dimensões da desigualdade, como classe, raça, etnia, orientação sexual e origem regional, moldam as experiências e discriminações vivenciadas por mulheres, frequentemente negligenciadas pelas políticas públicas globais (Creenshaw, 2002). No Brasil, a construção de políticas para mulheres historicamente priorizou certos grupos, deixando muitas sem amparo devido a critérios excludentes ou à persistência de conflitos de interesse entre as próprias mulheres. Para que as políticas de direitos alcancem a todas, é imperativo considerar as vulnerabilidades específicas decorrentes dessas diferenças. As conquistas de políticas públicas para mulheres no Brasil são, em grande medida, fruto da luta dos movimentos feministas, impactando positivamente a redução das desigualdades sociais e de gênero. A busca por autonomia econômica para as trabalhadoras rurais emerge como uma demanda central desses movimentos. Contudo, a extensão e o impacto dessas conquistas ainda carecem de maior investigação.
As desigualdades sociais, econômicas e políticas permeiam a vida das mulheres brasileiras, tanto no campo quanto na cidade. No entanto, as políticas públicas direcionadas às mulheres que exercem atividades agrícolas são relativamente recentes. Eloisa Hofling (2001) argumenta que políticas públicas eficazes devem estabelecer programas universalizantes, incorporando os grupos mais desfavorecidos para reverter o desequilíbrio social. Nesse sentido, é fundamental que as políticas governamentais atendam às diversas necessidades das diferentes mulheres que compõem o vasto território brasileiro, com foco especial nas mais vulneráveis.
As primeiras organizações de mulheres rurais no Brasil surgiram no início dos anos 1980, impulsionadas pela Igreja Católica, pelo movimento sindical e por partidos políticos, ganhando força no Sul e Nordeste. Suas principais reivindicações incluíam o reconhecimento da profissão de agricultora, direitos sociais como aposentadoria e salário-maternidade, direito à sindicalização, acesso à saúde da mulher, acesso à terra e a inclusão de mulheres solteiras ou chefes de família como beneficiárias do PRONAF Mulher (Heredia; Cintrão, 2006).
É notável que a Constituição de 1988 marcou o início de um maior desenvolvimento de políticas para as mulheres rurais. A partir de 1995, surgiram iniciativas transversais como o Programa Reforma Agrária Solidária (1996), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera, 1998) e o Programa de Ações Afirmativas para Promoção da Igualdade e Oportunidade de Tratamento entre Homens e Mulheres (2001), este último promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Embora as primeiras organizações de mulheres trabalhadoras rurais tenham se espalhado pelo Brasil desde os anos 1980, foi a partir de 2000 que suas demandas ganharam maior espaço na agenda governamental. A Marcha das Margaridas se destaca como um evento fundamental na visibilidade das reivindicações dessas trabalhadoras, marcando um ponto de inflexão para o atendimento de suas necessidades pelo Governo Federal.
A Marcha das Margaridas, coordenada pela Confederação Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura (CONTAG) e reunindo diversas organizações feministas, movimentos de mulheres e centrais sindicais, mobiliza mulheres de diferentes segmentos sociais. Consolidou-se como um processo de mobilização autônomo, integrando a agenda dos movimentos sociais do campo (Aguiar, 2006) e pautando questões como o reconhecimento das mulheres como trabalhadoras na agricultura, reforma agrária com acesso à terra, ampliação de direitos trabalhistas e previdenciários, acesso à documentação básica, políticas de saúde e educação. Ao longo de suas edições, a Marcha incorporou e impulsionou a implementação de novas demandas governamentais, incluindo o acesso a políticas produtivas, participação na definição de políticas ambientais, agroecologia, autonomia econômica, democracia e participação política, e combate à violência contra as mulheres no meio rural.
Muitas das demandas históricas dos movimentos sociais de mulheres foram parcialmente incorporadas em políticas públicas. No entanto, a implementação precária de muitas delas exige aprimoramento para alcançar maior eficácia em um país de dimensões continentais e diversidade cultural como o Brasil. Novas demandas emergem constantemente, reforçando a importância da participação social para dar visibilidade e reivindicar sua inclusão nas políticas nacionais, considerando as mulheres do campo, das cidades, das florestas e das águas, conforme o lema da Marcha das Margaridas.
A inserção das mulheres e das pautas feministas nas agendas governamentais é fundamental para trazer à tona mais questionamentos e impulsionar mudanças significativas. O desenvolvimento de políticas públicas que considerem a diversidade das mulheres não apenas impactará positivamente toda a população brasileira, mas também pavimentará o caminho para uma sociedade mais justa.
A capacidade das políticas públicas brasileiras de garantir autonomia política, econômica, social e organizativa para as mulheres rurais e urbanas é uma questão central para os movimentos feministas e para a Marcha das Margaridas. As ações e manifestos dessas mulheres representam a semeadura de suas reivindicações. O tempo e a força coletiva das mulheres determinarão a colheita dessas iniciativas implementadas nas últimas décadas no Brasil.
Referências:
AGUIAR, Vilenia Venancio Porto. Mulheres Rurais, Movimento Social e Participação: reflexões a partir da Marcha das Margaridas. Política & Sociedade. Vol. 15. Edição Especial. 2016. P. 261 – 295.
CREENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas. Ano 10. Vol.1. 2002. P. 171 – 188.
HEREDIA, Beatriz Maria Alásia de; CINTRÃO, Rosângela Pezza. (2006). Gênero e acesso a políticas públicas no meio rural brasileiro. Revista Nera. Ano 9, N. 8. Janeiro/Junho. Pgs. 1 – 28.
HOFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro/2001.
Mulheres rurais lutam por reconhecimento social e maior representatividade.

Marcha das Margaridas
A Marcha das Margaridas é uma manifestação de mulheres trabalhadoras rurais de todo o Brasil, que lutam por direitos sociais e pelo fim da violência contra as mulheres do campo e da floresta. Realizado desde 2000, o evento ocorre a cada quatro anos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, sempre no mês de agosto. A marcha é organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e presta homenagem à memória de Margarida Maria Alves, trabalhadora rural e líder sindical da Paraíba, assassinada em 12 de agosto de 1983 por sua incansável defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.
Margarida Maria Alves


Objetivos da Marcha das Margaridas:
Fortalecer e ampliar a organização, mobilização e formação sindical e feminista das mulheres trabalhadoras rurais;
Reafirmar o protagonismo e dar visibilidade à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo, da floresta e das águas, na construção de um novo processo de desenvolvimento rural voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente;
Apresentar, através das proposições, uma crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico a partir de uma perspectiva feminista;
Contribuir para a democratização das relações sociais no Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) e nos demais espaços políticos, visando, assim, a superação das desigualdades de gênero e étnico-raciais;
Protestar contra as causas estruturantes da insegurança alimentar e nutricional que precisam ser enfrentadas para a garantia do direito humano à alimentação adequada e a soberania alimentar;
Denunciar e protestar contra todas as formas de violência, exploração e discriminação, e avançar na construção da igualdade para as mulheres;
Atualizar e qualificar a pauta de negociações, propondo e negociando políticas para as mulheres do campo, da floresta e das águas, considerando as suas especificidades;
Lutar pelo aperfeiçoamento e consolidação das políticas públicas voltadas às mulheres do campo, da floresta e das águas, nas esferas municipal, estadual e federal, contribuindo para que estas incidam no cotidiano das mulheres do campo, da floresta e das águas.
Histórico
A primeira edição, em 2000, reuniu cerca de 20 mil agricultoras, quilombolas, indígenas, pescadoras e extrativistas de todo o Brasil. O movimento é marcado pelas camisetas lilás e pelos chapéus de palha decorados com margaridas usados pelas manifestantes. A marcha se repetiu nos anos de 2003, 2007, 2011, 2015, 2019 e 2023, reunindo cerca de 100 mil manifestantes.
Lemas
2000 - "2000 Razões para marchar contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista".
2003 - "2003 Razões para marchar contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista"
2007 - "2007 Razões para marchar contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista"
2011 - "2011 Razões para marchar por Desenvolvimento Sustentável com Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade"
2015 - "Margaridas seguem em Marcha por Desenvolvimento Sustentável com Democracia, Justiça, Autonomia, Igualdade e Liberdade"
2019 - "Margaridas na luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência"
2023 - "Pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver"
Marcha das Margaridas 2023

Site da Marcha das Margaridas: https://www.marchadasmargaridas.org.br/
Em Marcha, dizem as Margaridas: “Tecemos nossas experiências de vida e de resistência, unindo muitas bandeiras de luta em um só movimento”.
TEIXEIRA: Anna Carolina Carvalho B., et al. Marcha das margaridas: caminhos, memórias e repercussões / org. Anna Carolina Carvalho B. Teixeira ... [et al.]. - Brasília: CONTAG, 2023. 188 p.: il. color.; 30 cm.
Ecofeminismo
O ecofeminismo refere-se a movimentos e filosofias que unem o feminismo e a ecologia, tendo ganhado destaque a partir da década de 1970. Essa perspectiva crítica desafia o modelo capitalista de desenvolvimento econômico e busca alternativas ao extrativismo, denunciando a desvalorização imposta pelo patriarcado tanto ao meio ambiente quanto às mulheres. Além disso, o ecofeminismo questiona o paradigma do progresso defendido pelo socialismo real e as contradições presentes em partidos comunistas. O termo "ecofeminismo" é creditado à escritora francesa Françoise d’Eaubonne, que o introduziu em seu livro Le Féminisme ou la Mort (1974).
Vandana Shiva (1988), uma das principais vozes do ecofeminismo, destaca a especial conexão das mulheres com o meio ambiente, fruto de suas interações cotidianas. Ela argumenta que, nas economias de subsistência, as mulheres atuam como especialistas no conhecimento holístico e ecológico dos processos naturais, criando riqueza em parceria com a natureza. Contudo, Shiva critica o paradigma reducionista do capitalismo, que ignora a interdependência da natureza e desconsidera a ligação intrínseca entre o trabalho, o conhecimento das mulheres e a criação de riqueza voltada para o bem-estar social e as necessidades básicas.
História - Final do século XX e início do século XXI
O termo ecofeminismo foi cunhado na década de 1970, mas a participação das mulheres em movimentos ambientais, especialmente na preservação e conservação, remonta a períodos muito anteriores. Desde o final do século XIX, mulheres se engajaram em esforços para proteger a vida selvagem, o alimento, o ar e a água. Susan A. Mann (2011), ecofeminista e professora de teoria sociológica e feminista, argumenta que esses papéis desempenhados por mulheres em tais movimentos foram fundamentais para o surgimento do ecofeminismo em séculos posteriores. Mann associa o início do ecofeminismo não apenas a feministas, mas também a mulheres de diferentes origens raciais e classes sociais que reconheceram as conexões entre questões ambientais, de gênero, raça e classe. Esse princípio reforça a importância de incluir grupos marginalizados nas discussões, tanto em ativismos quanto em círculos teóricos. Contudo, em movimentos ambientais anteriores, os problemas relacionados a diferentes raças e classes frequentemente eram tratados de forma separada, o que limitava a abordagem integrada dessas questões.
Ecofeminismo no Brasil
O termo ecofeminismo é relativamente recente, mas reflete uma conexão com saberes ancestrais. No Brasil, pesquisadoras têm promovido debates que destacam as especificidades do Sul Global, com foco em experiências de mulheres rurais, indígenas e de comunidades tradicionais. Entre os principais nomes está Ivone Gebara, uma teóloga de renome mundial, cujas reflexões ecofeministas dialogam em alguns aspectos com os estudos da norte-americana Mary Daly, outra teórica ecofeminista com base teológica. Daniela Rosendo (2012) se destaca na defesa do feminismo animalista no Brasil, abordando o tema de maneira inovadora, especialmente com base nos trabalhos de Karen Warren (2003). Neusa Schnorrenberger e Rosângela Angelin (2018), por sua vez, escreve sobre a situação das mulheres do campo e seus direitos, articulando essas questões com políticas públicas de forma avançada. Vanessa Lemgruber (2020) sistematiza o pensamento ecofeminista como uma possibilidade pluriversal, explorando interfaces entre diversos saberes, desde os conceitos da Era do Antropoceno e da Hipótese de Gaia até práticas e comunidades ecofeministas, além de normas, leis e constituições globais. Já Tânia Kuhnen escreve sobre ética e filosofia, defendendo o cuidado como um princípio universalizável para a moral, trazendo uma perspectiva essencial ao ecofeminismo.
Referências
KUHNEN, Tânia Aparecida. O princípio universalizável do cuidado: superando limites de gênero na teoria moral. 2015. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em Filosofia), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
Lemgruber, Vanessa (2020). Guia Ecofeminista: mulheres, direito, ecologia. Rio de Janeiro: Ape'Ku.2020, 276 p.
MANN, Susan A. Pioneers of U.S. Ecofeminism and Environmental Justice. Feminist Formations, v. 23, n. 2, p. 1–25, 2011.
ROSENDO, Daniela. Ética sensível ao cuidado: alcance e limites da filosofia ecofeminista de Warren. 2012. 155p. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2012.
Disponível em:https://core.ac.uk/download/pdf/30383992.pdf
SHIVA, Vandana. Staying Alive: Women, Ecology and Development. Zed Books. 1988. ISBN 978-0-86232-823-8.
SCHNORRENBERGER, Neusa; ANGELIN, Rosângela. Ecofeminismo e tutela ambiental: uma reflexão acerca da atuação dos Movimentos de Camponesas no Brasil. RJLB, ano, v. 4, 2018.
WARREN, Karen, J. Filosofías ecofeministas. Icaria Editorial. 2003. ISBN 978-84-7426-683-2.
Leia mais sobre ecofeminismo:
BARRAGÁN, Margarita Aguinaga et al. Pensar a partir do feminismo: críticas e alternativas ao desenvolvimento. DILGER, Gerhard; LANG, Miriam; PEREIRA FILHO, Jorge. Descolonizar o imaginário: debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, p. 89-120, 2016.
CASTELO, Carmen Velayos. Feminismo Ecológico. Estudios multidisciplinares de género. Universidad de Salamanca. 2007, 134p..ISBN 978-84-7800-383-9.
EATON, Heather; LORENTZEN, Lois Ann (Ed.). Ecofeminism and globalization: Exploring culture, context, and religion. Rowman & Littlefield, 2003.
FLORES, Bárbara Nascimento; TREVIZAN, Salvador Dal Pozzo. Ecofeminismo e comunidade sustentável. Revista Estudos Feministas, v. 23, n. 1, p. 11-34, 2015.
Holland-Cunz, Barbara. Ecofeminismos. Universitat de València. 1996. ISBN 978-84-376-1432-8.
Bela Gil & Vandana Shiva – Ecofeminismo

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fW7sesxlj-g
Bela Gil & Vandana Shiva - A exploração da natureza

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7LCRogpKvmc

